Liderança em tempos de crise
Este texto propõe um olhar sobre o gerenciamento de crises, a partir de uma perspectiva da liderança. Naturalmente, não se propõe a esgotar o assunto. Trago aqui uma despretensiosa contribuição a partir de minha experiência pessoal. Como sempre, comentários e contribuições serão bem vindas!
Antes de mais nada, é importante definir o significado de “crise”, para então, compreender quais são os aspectos fundamentais que deflagram e ampliam uma crise e suas consequências.
No dicionário Michaelis, a palavra crise significa “Momento crítico ou decisivo; Situação aflitiva; Conjuntura perigosa, situação anormal e grave.” No universo das empresas, crises são eventos que ocorrem no limiar da ordem de normalidade estabelecida e aceita. As crises surgem a partir de uma massa crítica de problemas cumulativos e não mitigados que ganharam complexidade e que, a partir de um determinado ponto, se retroalimentam. Tipicamente uma crise provoca mudanças de grande impacto e, não raro, estabelecem uma nova ordem das coisas.
Um dos grandes desafios em lidar com crises é a complexidade. No contexto apresentado aqui, complexidade significa a multiplicidade de aspectos e variáveis intangíveis e ambíguas. Uma crise nunca é essencialmente técnica, ou objetivamente lógica. As crises são manifestações da própria essência da humanidade, denotando conflito, medo, ideologia, entre outros aspectos.
Desta forma, é um grande erro abordar a crise apenas sob o ponto de vista técnico e causal. A crise requer, acima de tudo, uma visão humanística, compreendendo a dinâmica e a correlação entre o lado tangível do problema (a técnica, a matemática, a quantificação) e o lado intangível (a política, os interesses, a comunicação).
Ou seja, a partir de um certo ponto, simplesmente resolver os problemas que causaram a crise não é suficiente para resolver a crise em si. Uma crise acarreta na ruptura de elos de confiança, desconstrução de alianças e instabilidade estrutural.
Um plano de recuperação de crise deve necessariamente abordar, além dos problemas originais, as consequências para as relações humanas e sociais, restabelecendo o ambiente de confiança e construindo a nova ordem das coisas. Além disso, o ambiente de crise é marcado pela ambiguidade das comunicações, o conflito de interesses, a descoordenação das ações, o que, tipicamente, amplifica os efeitos percebidos da crise. É como uma areia movediça: quanto mais nos debatemos, mais presos ficamos à situação.
Por isso, o gestor de uma crise deve atentar para alguns aspectos importantes:
Desenvolver uma visão sistêmica sobre a crise, identificando as correlações e a dinâmica de desenvolvimento do cenário a partir de um certo distanciamento. Mergulhar em um problema específico, ou concentrar-se em demasia em um aspecto parcial da crise pode criar uma falsa ilusão de progresso.
Ser obsessivo com a qualidade e a intensidade da comunicação, atuando como um roteador entre todos os elos da crise, e processando cuidadosamente a informação, garantindo a clareza e a desambiguação. Dar preferência aos meios mais ricos de comunicação - presencial, video conferência - em detrimento aos meios escritos, reservando estes últimos apenas para fatos e formalização de decisões tomadas em reunião.
Elimine a complexidade, a partir de uma visão sintética e global da crise, e desenvolva poucas e intensivas ações de forma a endereçar frontalmente os aspectos fundamentais. Em uma crise, as ações devem ser direcionadas às causas, e não apenas aos sintomas e devem concentrar esforços, para obter avanços rápidos. Abrir muitas frentes fará com que o tempo jogue contra a crise.
Conheça os interesses em jogo, e posicione as pessoas de forma a convergir esforços. Não raro, uma crise gera seus beneficiários e é muito importante identificar quem se beneficia com a crise, para que a influência destas pessoas seja esvaziada, ou anulada. Em muitos casos isso não é tão nítido, e talvez, a sabotagem ocorra de forma inconsciente ou até mesmo involuntária, como mecanismo de defesa.
Após a mitigação de uma crise, muitas vezes, faz-se necessário que o líder perpetue o senso de crise nos envolvidos, até que os hábitos e a nova ordem das coisas esteja totalmente sedimentada. Ou seja, o fim de uma crise não é o fim do trabalho. É necessário gerenciar a mudança até sua efetiva transição, a assimilação das lições aprendidas. E muitas vezes, é necessário manter a sensação e que a crise não acabou, até que a organização esteja segura.
Para concluir, é importante compreender que uma crise sempre representa uma oportunidade. Segundo Albert Einstein, “A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar ‘superado’. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais os problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência… Sem crise não há desafios; sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um.”
ASSUNTOS: crise / gestão / liderança
por Michael Cardoso
Co-fundador e diretor de operações da JExperts