Inovação e Gestão da Mudança
Toda inovação gera mudança. Entretanto, o ser humano, a sociedade e as organizações são fisiologicamente e inerentemente avessos à mudança, por isso, podemos afirmar que liderar um processo de inovação é, de certa forma, um grande empreendimento de gestão da mudança.
Nossa biologia é programada para economizar energia. Nosso cérebro opera, na maior parte do tempo, através de ações e respostas automáticas, visando poupar esforços e nos proteger da incerteza. Quando colocamos em perspectiva a sociedade, o ambiente de trabalho, vemos os mesmos mecanismos e barreiras em ação, protegendo o status quo contra o caos da mudança.
Inovar em um ambiente de negócios implica superar as barreiras culturais, as vontades individuais e os processos estabelecidos, removendo o terreno firme sob os pés das pessoas. Se a organização é grande, burocrática e corporativa, inovar é lutar contra um tsunami de resistência, travando uma batalha desigual. Como o líder, agente da inovação, pode suavizar o caminho da mudança? Neste artigo, quero explorar este tema sob dois aspectos: 1) Como lidar com o medo das pessoas? 2) Como blindar o processo de inovação em suas fases iniciais da pressão por resultados de curto prazo?
Tema #1 - Medo: Um sentimento e várias manifestações
Todos sentem um frio na barriga diante da incerteza da mudança. Porém, as pessoas manifestam seus medos de muitas formas. Se você tiver sorte, terá na sua equipe algumas pessoas com maior propensão ao risco, que abraçam a mudança e convivem com a incerteza de forma mais natural. Infelizmente, é mais fácil encontrar o oposto: pessoas resistentes e receosas, manifestando seus medos de forma destrutiva.
Algumas, podem se tornar críticas e ácidas, expressando ceticismo e até cinismo. Outras pessoas podem sabotar, até mesmo de forma involuntária, a transformação, ao apresentar um comportamento incoerente entre o que se diz (apoiar publicamente a ideia) e o que se faz (criar empecilhos para sua implementação). Outras podem combater a mudança através da inatividade e passividade (esperando a ideia falhar, de braços cruzados).
Um dos papéis do líder é fazer a leitura correta sobre o que está por traz das reações das pessoas à mudança e não se permitir distrair-se com o efeito (o comportamento), mas combater as causas e potencializar os agentes da mudança dentro do próprio time.
O medo de mudar se combate com informação, com abertura, com tolerância ao erro e com aprendizagem. Pessoas bem informadas temem menos a mudança. Além disso, precisamos admitir o que não sabemos de forma honesta. Reconhecer perante a equipe a própria lacuna de conhecimento ajuda a quebrar o tabu do erro, promovendo-o a ferramenta de aprendizagem, e estimulando a participação e apoio do time na busca de soluções.
Uma comunicação aberta, clara e recorrente, por iniciativa do líder, tanto para informar, quanto para reconhecer as lacunas de conhecimento de forma franca, estimulam a equipe a despirem-se de suas defesas. Cumpre ao líder a leitura cuidadosa dos sentimentos e ações da equipe, e a correção justa dos comportamentos motivados pelo medo, abrindo caminho para uma cooperação maior e uma aceitação maior do risco por todos os envolvidos.
Tema #2 - Comece pequeno e avance exponencialmente
Outro importante aspecto é o tamanho e a abrangência da inovação. O Líder deve assegurar que as iniciativas de inovação não se tornem empreendimentos complexos e caros precocemente. Nenhuma inovação verdadeiramente disruptiva pode nascer de um projeto gigantesco, barulhento e com a pressão por resultados típica dos projetos convencionais. Mesmo as mais disruptivas das inovações, normalmente nascem de pequenas iniciativas que se ampliam exponencialmente apenas após atingir certa massa crítica.
Isso não significa pensar pequeno. Muito pelo contrário: Grandes inovações surgem em decorrência da busca de soluções originais para grandes problemas. Mas, para que o líder possa permitir certa dose de experimentação, deve manter o tamanho das iniciativas reduzido antes de colocar os holofotes do board sobre o projeto, até que algumas questões importantes sejam respondidas. Então, antes de jogar uma idéia inovadora no Shark Tank, assegure-se de permitir a adequada maturação.
O Líder deve permitir o caldo de cultura da inovação silenciosamente, estimulando a iniciativa em pequenos grupos de pessoas abertas e entusiasmadas, com liberdade para errar sem as amarras corporativas tradicionais. Quanto mais cedo o processo de inovação encontra as amarras corporativas, mais cedo ele irá se engessar e se esvaziar.
O que falo aqui não é uma apologia à realização de iniciativas “piratas”, mas o reconhecimento de que a inovação deve ser cultivada (de forma consciente e aprovada pelo board) com certa liberdade antes de se tornar institucionalizada. Precipitar esse movimento fará com que a inovação se sufoque precocemente, sem ter musculatura suficiente para resistir à uma prova de conceito no negócio.
Saber interpretar a conjuntura, aguardar o momento certo, em que a massa crítica se formou, e enquanto isso não ocorre, proteger as pessoas que estão buscando novos caminhos das amarras corporativas é um importante desafio do líder.
Em contrapartida, a não ser que sua empresa seja uma Startup, é bem provável que as suas contas são pagas por operações já estabelecidas, produtos e serviços definidos e uma base de clientes consolidada. E pode ser que seus esforços de inovação atuais representem, a longo prazo, a morte do seu negócio como é hoje. E isso é bom, pois se você não o fizer, o seu concorrente o fará, mais cedo ou mais tarde.
Nessa situação, o timming e a intensidade do investimento em inovação é o fator mais crítico de sucesso. A transição tardia é tão ruim quanto uma virada precoce. Em ambos os casos, sua empresa estará acabada.
Por isso, é muito importante que o seu modelo de negócios atual permaneça vivo e vigoroso, recebendo melhorias incrementais e atendendo à demanda estabelecida, enquanto o novo paradigma se estabelece.
Manter o motor 1 (negócio atual) e o motor 2 (futuro) em funcionamento requer do líder uma disciplina na gestão dos seus recursos e no gerenciamento das prioridades.
Conclusão: O Líder como um orquestrador da inovação
Neste artigo, procurei demonstrar a importância do Líder como um orquestrador da inovação, mantendo a equipe confiante, criando uma atmosfera de experimentação e tolerância ao erro, blindada das imposições corporativas e pressão por resultados de curto prazo, mantendo investimentos mínimos nas fases iniciais do processo de inovação, enquanto sustenta uma operação vigorosa e saudável.
Cabe ao líder identificar o mais cedo possível as perguntas mais importantes e garantir que na fase inicial do processo de inovação encontrem-se respostas satisfatórias, antes de abrir as comportas do investimento em massa e jogar os holofotes do board.
ASSUNTOS: inovação / gestão / liderança
por Michael Cardoso
Co-fundador e diretor de operações da JExperts