Gestão de portfolios de projetos em ambientes complexos

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Este artigo se propõe a introduzir alguns conceitos e práticas que possibilitam uma administração mais eficaz de portfolios de projetos em ambientes de complexidade. A gestão de portfolios é uma área de conhecimento ainda muito mal compreendida e mal aplicada nas organizações. Quando bem implementada, esta pode se tornar um fator de competitividade e uma poderosa ferramenta de alinhamento estratégico, sobretudo, em ambientes de complexidade.

O propósito central da prática do gerenciamento de portfolios de projetos é assegurar a execução do melhor conjunto possível de investimentos para o negócio. Em outras palavras, garantir que os projetos com melhor benefício e maior contribuição estratégica sejam escolhidos preferencialmente e efetivamente executados.

Neste contexto, o gestor de portfolios deve reger-se pela escassez, proporcionando à alta direção alternativas de escolhas frente a restrições de recursos. O cenário mais comum é que existam mais iniciativas do que capacidade de execução na empresa, logo, é responsabilidade da gestão de portfolios a administração otimizada de recursos limitados – tempo, pessoas, conhecimento, dinheiro - buscando maximizar o valor e o retorno para o negócio.

Entre as principais funções da gestão de portfolios, estão: a captura de ideias de novos investimentos, a priorização da alocação orçamentária, o alinhamento estratégico, o balanceamento na distribuição orçamentária entre os diversos temas de interesse da organização, o acompanhamento do conjunto de projetos priorizados e o monitoramento dos benefícios e impactos dos projetos entregues, buscando a construção de um mix diversificado de investimentos de maior atratividade e alinhamento estratégico.

Uma vez priorizado, é também atribuição do gestor de portfolios apoiar a alta administração na avaliação contínua da relevância dos projetos priorizados, “matando” projetos que perderam relevância e incluindo novas iniciativas que ganharam relevância.

Um fator importante para o bom desempenho de um gestor de portfolios é o senso de oportunidade. Um investimento em um projeto torna-se atrativo sob determinadas circunstâncias e janelas de oportunidade, em outras palavras, dependem de timming. Há muita entropia envolvida na decisão sobre priorização de projetos, variáveis de contexto que estão continuamente mudando, requerendo uma atuação contínua do gestor do portfolio na revisão do mix de projetos. O pior erro de um gestor de portfolios é executar 100% dos projetos priorizados inicialmente e não revisitar esta prioridade com regularidade: é provável que tenha perdido boas oportunidades para o negócio.

Em um cenário de complexidade, a dificuldade de administrar corretamente o portfolio de projetos aumenta exponencialmente. Revisar sistematicamente prioridades em um grande conjunto de projetos, repleto de interdependências, avaliar com precisão o risco e as tendências dos projetos, gerenciar a capacidade disponível, são apenas alguns dos desafios quando eleva-se a escala do portfólio. O objetivo deste artigo é explorar as características típicas do ambiente de gestão de portfolios em empresas complexas e oferecer alternativas e práticas que possam assegurar melhores resultados.

Definindo a complexidade #

Inicialmente, é imprescindível definir o que é complexidade no contexto da gestão de portfolios, estabelecendo a problemática que será abordada no decorrer do artigo. Segundo uma das definições do dicionário online da língua portuguesa, complexidade é a “Qualidade daquilo que possui múltiplos aspectos ou elementos cujas relações de interdependência são incompreensíveis.”

No contexto de gestão de portfolios de projetos, a complexidade pode ser resumida em três possíveis atributos: Escala, Interdependência interna e externa, Incerteza inerente ao negócio. Um ambiente de projetos será considerado complexo se apresentar um ou mais destes atributos.

a. Complexidade de escala - A complexidade de escala pode ser identificada em várias dimensões: um grande volume de projetos concorrentes, ou um grande volume de recursos financeiros, ou um grande volume de fornecedores, ou um grande volume de pessoas alocadas, entre outros fatores. Mesmo um portfolio com poucos projetos pode representar um desafio de escala, caso estes projetos tragam outros fatores de complexidade internamente.

b. Complexidade de interdependência - A complexidade de interdependência (seja ela interna e/ou externa) manifesta-se em portfolios com projetos que abrangem várias áreas e divisões da empresa e que dependem de uma bem executada orquestração de vários gestores de equipes de estruturas diferentes (de dentro ou de fora da empresa) para que atinja seus objetivos. Tipicamente, estruturas organizacionais matriciais tendem a apresentar muitas interdependências em seus portfolios. A questão da interdependência também se agrava caso o cenário inclua a complexidade de escala, abordada anteriormente.

c. Complexidade de incerteza - A complexidade de incerteza inerente se manifesta de várias formas: organizações em mercados dinâmicos e de grande velocidade de mudança, empresas com operações de alto risco, são exemplos de complexidade de incerteza inerente.

Operando um portfolio complexo #

Para operar um portfolio em um ambiente de complexidade, é necessário obter um alinhamento entre processos orçamentários, processos de planejamento estratégico e processos de gestão de portfolios e projetos. Os ciclos de planejamento e revisão orçamentária devem ser intercalados com ciclos de revisão da estratégia (revisando objetivos e metas críticas do negócio) e ciclos de planejamento e revisão de investimentos (definindo as iniciativas prioritárias e amarrando o orçamento dos projetos à estratégia).

Diariamente, novas iniciativas surgem em todas as áreas da empresa, por isso, a cadência de revisão do portfolio deve ocorrer com uma frequência maior que o exercício de planejamento estratégico - idealmente, mensal, mas no mínimo, trimestralmente. Quanto mais frequente a revisão do portfolio, menor o impacto de manter projetos que perderam relevância consumindo recursos orçamentários, assegurando uma maior eficiência na alocação de recursos.

Para dar visibilidade a este processo, uma da abordagens mais recorrentes é a utilização de um ciclo de stage-gates ou um funil de priorização, estabelecendo um pipeline de projetos. Analisar as iniciativas como um funil, com estágios sucessivos de maturação e validação é um meio eficaz para promover a sincronização entre o planejamento e revisão orçamentária e a operação de portfolios, conforme ilustra a imagem abaixo:

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Cada estágio do funil é um ponto de decisão sobre a continuidade ou não daquela iniciativa. Este processo inicia-se antes mesmo de um projeto ser discutido no forum orçamentário. No exemplo acima, uma nova ideia de projetos passaria por 3 níveis de validação antes de sua discussão orçamentária: Avaliação de mérito, avaliação de esforço/risco e avaliação de atratividade/orçamento. Neste último ponto, a iniciativa aprovada deve ser alinhada ao planejamento orçamentário do próximo exercício ou como encaixe nas revisões orçamentárias ao longo do ano.

Entre os elementos fundamentais de elaboração de uma proposta de iniciativa, está a definição de objetivos a serem alcançados, o plano de metas de resultados a serem buscados, a estimativa do volume de investimento necessário, a avaliação do risco e a identificação das interdependências desta iniciativa. Estes insumos são necessários para uma correta análise de atratividade e elaboração do mix de investimentos.

As etapas de análise de atratividade e priorização são o momento decisivo do processo de planejamento do portfolio, pois neste ponto, há elementos suficientes para uma tomada de decisão sobre onde alocar os investimentos. É nesse momento que o ciclo de vida de uma iniciativa conecta-se ao orçamento da companhia. Para apoiar o processo de tomada de decisão sobre priorização orçamentária, o gestor do portfolio pode lançar mão do uso de categorizações e análises comparativas sobre critérios quantitativos e qualitativos. Especialmente quando o volume de projetos é expressivo, adotar categorias consolidadoras (temas de investimento, objetivos estratégicos, tipos de retorno de investimento, entre outros) pode simplificar consideravelmente a tomada de decisão e ajudar gestores a orientarem a distribuição orçamentária conforme a importância/prioridade de cada tema.

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Por exemplo: A alta direção pode tomar a decisão de distribuir 60% dos recursos orçamentários entre projetos de expansão, inovação e melhoria da eficiência, e 40% entre projetos de operação - manutenção e melhoria interna. Esse tipo de diretriz ajuda a comunicar aos gestores e líderes de áreas os temas mais importantes para o negócio e orienta a tomada de decisão sobre quais iniciativas trarão melhores resultados.

Com a definição das diretrizes de orçamento, os projetos mais atrativos de cada categoria são priorizados, garantindo o melhor mix de benefícios e o balanceamento dos investimentos. Para avaliação de atratividade, pode-se aplicar modelos baseados em critérios, estabelecendo uma matriz de pontuação abrangendo: retorno do investimento, risco, alinhamento estratégico, entre outros.

Iniciação dos projetos priorizados #

Uma vez que o conjunto de projetos prioritários é selecionado, o gestor de portfolio passa a operar transações orçamentárias em conjunto com a controladoria da companhia, autorizando o inicio dos projetos e a liberação das verbas. Neste momento, há uma passagem de bastão entre o time de portfolios, controladoria e a equipe designada para cada iniciativa, que terá a responsabilidade por implementar o projeto e trazer os benefícios prometidos.

Neste ponto, é importante avaliar a natureza de cada iniciativa aprovada, garantindo os recursos e meios mais adequados de gestão - por exemplo, decidindo se uma iniciativa será melhor implementada com um framework agil, com uma abordagem mais exploratória e com mais liberdade para o time direcionar a construção do projeto ou adaptar o escopo à aprendizagem (por exemplo, projetos de inovação ou de tecnologia), ou então, se a iniciativa será melhor conduzida com um planejamento mais rigoroso e preditivo de escopo, tempo e custos (por exemplo, projetos de engenharia).

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É importante ressaltar que adotar um processo de funil não implica em adotar obrigatoriamente uma única abordagem de execução waterfall/preditiva. O principal objetivo deste modelo de gestão é assegurar uma análise consistente e progressiva de um investimento até estar maduro para implementação e também para reduzir o número de escolhas no momento de priorizar o orçamento. Este investimento, uma vez priorizado, materializa-se em programas, projetos ou operações agile.

Monitoramento do portfolio e competência analítica #

Independentemente da natureza do projeto - agil ou preditiva - o time de portfolios deverá obter informações confiáveis e tempestivas sobre a execução orçamentária, as entregas de valor realizadas e os benefícios alcançados. Esta visibilidade e padronização de métricas é fundamental para apoiar a tomada de decisão nos momentos de revisão do portfolio.
Porém, mesmo com a padronização de dados e informações sobre a execução dos projetos, muitos PMOs enfrentam dificuldades para responder questões importantes do negócio sobre seus investimentos.

Para monitorar com efetividade e gerar respostas confiáveis à perguntas chave do negócio, o gestor de portfolios deve desenvolver competências analíticas, conectando e correlacionando informações sobre todo o ciclo de investimento. Fazer as perguntas certas é a base de um modelo analítico.

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Em um cenário de complexidade, manter uma base padronizada de informações e estabelecer um grau elevado de rastreabilidade sobre todo o ciclo de gestão permitirá o estabelecimento de uma “visão da floresta” viva e dinâmica, ou seja, uma visão consolidada e contextualizada do todo. E a aplicação de um processo analítico, permitirá estabelecer e responder as perguntas chave do negócio sobre os investimentos, em todo o seu percurso, da ideia ao resultado.

Implantando o modelo #

A implantação de um modelo de gestão de portfolios integrado requer o envolvimento e articulação de gestores das áreas de finanças (responsáveis pelo ciclo orçamentário), a área responsável pelo planejamento e gestão da estratégia, a TI (responsáveis pelos sistemas de informação que operam o ciclo orçamentário), as diretorias (onde os projetos são gerados e executados) e os escritórios de projetos (que operam a governança dos portfolios da companhia). Para que seja bem sucedido, é fundamental que se estabeleça uma visão compartilhada dos líderes da empresa sobre os objetivos deste trabalho.

O primeiro passo é a definição do modelo de gestão, que deverá estabelecer os fluxos de trabalho e controles integrados sobre os vários processos aqui mencionados. A ideia é orquestrar e conectar esses processos, de forma que operem como um único fluxo integrado.

  1. Processos de gestão orçamentária e estratégica, com ciclos de planejamento e revisões mensais ou trimestrais

  2. Processos de gestão de ideias (Funil de projetos), com a captura diária e a avaliação progressiva de cada iniciativa em forum recorrente, reunindo novas propostas de investimento para avaliação a cada ciclo de planejamento e revisão orçamentária.

  3. Processos de seleção, avaliação e priorização de projetos, intercalados com os foruns de revisão orçamentária, estabelecendo o alinhamento estratégico e definindo as iniciativas mais atrativas, conforme diretrizes da alta direção.

  4. Processos de gestão de iniciativas, com alternativas de modelo de gestão para os diversos tipos de projetos e operações da companhia - metodologias preditivas de gestão de projetos, modelos ágeis, metodologias híbridas

  5. Modelos para gestão de benefícios e resultados dos investimentos, contemplando a definição das métricas e as fontes de dados para cada tipo de métrica.

Definidos os fluxos, o próximo passo é definir os controles e modelos informacionais - indicadores de gestão sobre todas as etapas do processo, normatizações mínimas, definição de padrões de documentação em cada estágio do processo e atendimento à requisitos de auditoria, especialmente em processos relacionados à finanças dos projetos.

Após estas definições, deve-se estruturar os portfolios da companhia, levando em conta a estrutura organizacional, os temas estratégicos, os programas e as carteiras de investimento, permitindo a correta contextualização de cada iniciativa e proporcionando meios de consolidação dos orçamentos e estabelecimento de alçadas, com base nas prioridades definidas pela alta direção.

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Estabelecidos os controles e os processos, é hora de escolher os sistemas de informações que suportarão a execução deste ciclo de portfolios. Para organizações complexas, é imprescindível a sistematização ampla e integrada deste processo, com a adoção de uma plataforma de gestão de portfolios, programas e projetos, que suporte os fluxos de gestão de ideias, seleção e priorização e gestão de projetos, o acompanhamento dos benefícios e resultados, o alinhamento estratégico e também dê suporte às várias metodologias que a organização implementa na execução de suas iniciativas. Além disso, para assegurar a rastreabilidade e consistência de informações financeiras em todo o ciclo orçamentário, é importante que esta solução integre-se ao ERP da companhia para operação do ciclo orçamentário.

Todo este processo deve ser realizado com uma estratégia bem desenhada de gestão de mudança, articulada entre as lideranças da empresa, para preparação e engajamento de todas as partes envolvidas. Deve-se estabelecer um plano de comunicações bem desenhado e integrado à agenda de implantação dos sistemas de informação. Um dos maiores desafios, nesse momento, é elaborar a logística de capacitação dos líderes e gestores e orquestração de todas as áreas da organização na sua implantação.

O plano de rollout do novo processo pode ser coordenado em ondas, permitindo incorporar a aprendizagem de cada ciclo de aplicação do processo às próximas ondas e diluindo no tempo os impactos nas operações. Por precaução, sugere-se que este processo de rollout percorra ao menos 2 exercícios orçamentários até que esteja totalmente maduro para operar plenamente. O primeiro exercício orçamentário será executado em redundância com o novo modelo de gestão, para garantir que não haja impacto na operação e para identificar as situações de exceção e promover os ajustes finos do modelo. A partir do segundo exercício, a operação do modelo poderá ocorrer “a quente” com mais segurança, com o suporte dos sistemas de informações adotados para operar o processo.

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O último estágio é definir o modelo analítico aplicável ao ciclo de portfolios, a partir de perguntas chave de negócio sobre os investimentos. Fazer as perguntas certas é o cerne de um sistema analítico. O PMO deve ser capaz de responder tanto sobre os meios (o desempenho de execução) quanto sobre os fins (os impactos para o negócio). Se o trabalho de sistematização foi bem executado, o PMO terá à sua disposição uma rica e abrangente base de informações interconectadas e contextualizadas, tornando-o capaz de responder com tempestividade às principais questões trazidas pela alta direção sobre o desempenho de seus investimentos.

Conclusão #

A implementação de um modelo de gestão de portfolios para organizações complexas é um desafio que requer liderança forte, patrocínio da alta direção, a capacidade de articular um grande número de pessoas, uma integração entre processos de planejamento institucional e uma bem elaborada logística de aplicação do modelo em escala.
Há um grande potencial para gerar benefícios evidentes e retornar rapidamente o investimento, criando valor efetivo para a organização:

  1. Disponibilidade imediata de informações confiáveis sobre desempenho dos projetos
  2. Controle sobre todo o ciclo de vida das iniciativas, da ideia ao benefício
  3. Facilidade em responder as perguntas mais difíceis da alta direção sobre o mix de investimentos
  4. Visão em tempo real do cumprimento dos benefícios prometidos
  5. Visibilidade antecipada sobre tendências de não atingimento de metas
  6. Consistência em entre o sistema financeiro (ERP) e o controle dos projetos (uma única versão da informação)
  7. Previsibilidade sobre execução orçamentária atualizadas
  8. Enxergar de forma simples os pontos de interdependência, ofensores, riscos para atuação na solução de entraves

Autor: Michael Cardoso, Diretor de Operações da JExperts


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