O resolvedor de problemas
Um líder não nasce pronto. Possuir a habilidade inata de engajar e inspirar pessoas não é suficiente para construir o conteúdo de liderança de um gestor. A liderança é forjada com experiência, aprendizagem e evolução continua.
Um bom líder deve ser capaz de lidar com a complexidade, a ambiguidade e com as escolhas mais difíceis. Para adquirir esta capacidade, há um longo caminho, e tudo começa com a capacidade de resolver problemas. Então, como um bom resolvedor de problemas pode se tornar um líder solucionador de dilemas complexos?
Fase 1 - O gato (apenas Problemas)
No início de sua trajetória, o resolvedor de problemas ainda é um mero executor de ordens. Ele segue conforme o fluxo da maré, sem determinar ainda a sua direção. Porém, já nesta fase tem a observação aguçada do que está acontecendo a sua volta.
Esta é a diferença daqueles que passam para o próximo estágio e aqueles que ficam eternamente no estágio atual. Com o passar dos tempos esta observação traz o conhecimento de que se pode resolver seus próprios problemas de forma isolada. O tempo passa e este indivíduo torna-se um exímio resolvedor de problemas.
Nesse momento são problemas pequenos ou grandes, mas que são resolvidos de forma rápida de modo que se possa rapidamente pular para o próximo. Ganha-se assim a notoriedade de ser um recurso muito útil de se ter na equipe. Se tem problemas a serem resolvidos, chamem que ele resolverá. Nessa fase ainda o indivíduo ainda age sozinho, pois só assim ele consegue evoluir em seu território. Ele é independente, tem iniciativa, não espera pela ordem de execução, apenas respeita a hierarquia, mas não quer ter domínio sobre ninguém. Isso o deixaria mais pesado, mais lento e menos eficiente.
Ele simplesmente faz bem feito o que deve ser feito. Por enquanto isso é suficiente. Alguém depois terá que juntar as peças de um quebra-cabeças muito maior. O mundo na sua cabeça ainda está dividido nessas pequenas peças, mas, estas não necessariamente precisam ser reunidas.
Um dia ele começa a perceber que esta resolução interminável de problemas pode não ter fim e começa a achar que sua energia não será suficiente para sempre. Começa também a discordar, ou não entender por que tem que resolver certos problemas. Nesse momento, começa a perceber indivíduos passando mais rápido ao seu lado, mas estes de cabeça baixa, assim como ele esteve até aqui. Algo começa a mudar, a nova etapa está chegando.
Também é aqui que começa a se diferenciar daqueles que não sairão da etapa atual. A chave nesse momento foi levantar a cabeça e conseguir enxergar o mar de peças, os problemas, antes destes serem resolvidos. Percebe que não conseguirá resolver todos sem ajuda.
Fase 2 - O gato não está mais só (os Dilemas)
Em determinado momento a percepção dos problemas fica mais aguçada de forma que não se vê apenas aquele que se está resolvendo mas os outros que estão ao seu lado. Também se tem a percepção de que não conseguirá resolver sozinho todos os problemas que estão no seu ambiente. Neste ambiente existem outros indivíduos que também estão resolvendo problemas, na verdade eles sempre estiveram ali, mas antes não eram percebidos.
Nessa fase o indivíduo começa a observar a resolução dos problemas feita pelos outros e entender que existe um contexto maior. Além de suas tarefas, este indivíduo tem que encontrar tempo para orientar, sem executar, os outros resolvedores de problemas. Nesse sentido, ele organiza a ordem de como as coisas devem acontecer e se depara com mais de um problema de cada vez para resolver.
Mas, percebe também que escolher esta ordem não é uma tarefa fácil. Não se trata mais de vigor físico ou intelectual, mas surge aí a escolha correta e esta leva ao dilema. Quando temos problemas, estes podem ser resolvidos, basta “resolve-los”, mas quando temos dilemas temos que fazer escolhas. Um mesmo problema na sua unidade mínima, só tem uma solução. Já, um dilema pode ser resolvido de formas diferentes dependendo da quantidade de problemas que estão sob o seu “telhado”.
Um carro quebrado se resolve consertando o carro. Uma criança com fome se resolve dando comida para ela. Mas, uma criança com fome dentro de um carro quebrado já é uma tarefa mas complexa. O que devo fazer primeiro? Consertar o carro ou alimentar a criança? Nesse caso a resposta parece simples, mas pode variar muito de acordo com quem terá a tarefa de resolve-la. Quem iremos deixar esperando e irritar, o dono do carro ou a criança com fome? Nesse exemplo o indivíduo percebe que antes de resolver os problemas, ele tem que tomar decisões.
Porém nesta fase, as decisões ainda são uma questão de colocar os problemas em uma ordem de resolução. Passar então a ter que negociar com os resolvedores de problemas e com aqueles que esperam que os problemas sejam resolvidos. O indivíduo passa a resolver os problemas através dos outros, direcionando-os para o melhor caminho. Ainda tem-se a sensação que com a equipe adequada poderá resolver todos os dilemas e seus problemas, mas os dilemas começam a ficar mais complexos.
A essa altura, pode-se dizer que aquele que antes era um resolvedor de problemas individuais passou a exercer uma função de líder, pois resolve mais problemas delegando funções para seus executores. Até aqui, de uma forma ou de outra, o agora líder se depara com dilemas que consegue resolver, mas quando não consegue resolve-los perde o sono. Nesse momento é a hora de se entrar no próximo estágio. A resolução dos problemas sem solução.
Fase 3 – O Leão (Problemas divergentes complexos)
O líder chegou na grande encruzilhada de sua carreira. Ele percebe que nem todos os problemas têm solução, mas pior do que isso, ele tem que manter o ambiente, a selva, em equilíbrio. Estamos falando do que chamamos de problemas divergentes complexos, ou simplesmente, problemas sem solução aparente.
São problemas interligados cuja solução individual gera um outro problema que precisa ser resolvido e assim sucessivamente. A chave aqui para saber se o líder está pronto para sair da fase dos dilemas para a fase dos problemas sem solução é a capacidade de saber distinguir aquilo que pode ser resolvido daquilo que não pode, mantendo o equilíbrio emocional, sem desmotivar quem está a sua volta.
No nosso exemplo metafórico anterior, do carro quebrado com uma criança com fome dentro, vamos incluir mais duas variáveis. Agora dentro do carro temos uma mulher grávida prestes a dar a luz e o carro está enguiçado em cima de uma linha de trem, sem poder ser retirado antes do conserto, sendo que o trem passará por ali em 15 minutos. A pergunta é, existe uma solução para: Consertar o carro, alimentar a criança, levar a mulher grávida até a maternidade mais próxima antes que o trem passe por cima do carro parado ali?
Qualquer abordagem, seja na resolução individual do problema seja na resolução do dilema de o que fazer antes, alguma coisa vai ficar para trás. Pior, se demorar tempo demais para perceber que tipo de problemas têm aqui, é possível que o trem passe por cima de todos.
Nesse momento, o líder consciente sabe que tem um problema sem solução e deve traçar um plano onde tenhamos a menor perda possível ou o maior ganho, dependendo de que lado se está vendo. Nesse exemplo simples, retira-se a mulher grávida de dentro do carro, chama-se uma táxi e vai para a maternidade levando a criança junto. O carro fica ali, para que em 15 minutos seja esmagado, ou, que o maquinista ache alguma forma de parar o trem. É a vida. Salva-se a vida da criança e da grávida, salva-se o nascimento de uma nova vida, perde-se o carro e deixa a criança com fome mais algumas horas. Afinal ninguém morre de fome em horas.
No momento da decisão e da execução da resolução alguns ficarão contrariados, mas com o tempo esta se provará a melhor decisão. A chave aqui é a Decisão. Esta não pode ser adiada, terceirizada ou pior ainda, não tomada. O Líder também estará preparado para lidar com a parte do problema que não teve solução (o carro) e aquela que foi adiada (a fome da criança).
Nesse momento deve-se estar preparado para conviver com problemas ao invés de sempre resolve-los. Não estamos dizendo aqui para pararmos de resolver problemas possíveis para levar uma vida mais fácil, de forma alguma. Estamos falando de saber o que podemos e o que não podemos resolver e quando identificarmos isso, transformarmos os problemas não resolvidos em uma realidade possível com eles.
Em nossas vidas, seja em casa, nas empresas, governos e onde for, esta será a realidade. Aquele que estiver na posição de liderança deverá saber tomar as decisões, certas ou erradas, comunica-las e deixar seguir o fluxo convivendo com problemas sem solução sem perder o equilíbrio individual e depois o do ambiente.
Sendo assim, na evolução do líder temos: O Gato - indivíduo que resolve problemas; o Gato não está só - o líder que resolve dilemas; e o Leão - líder que resolve dilemas, sabendo conviver com os problemas sem solução.
Parece simples em palavras mas pode levar muito tempo para se conseguir trilhar todo este caminho. O primeiro passo é a consciência da existência desse caminho.
Em próximos textos vamos abordar situações reais onde temos que distinguir entre estes tipos de problemas e suas soluções possíveis ou aceitáveis.
ASSUNTOS: liderança / carreira
por Sergio Viola, sócio e CEO da JExperts